Tristezas, luto e uma certa paz - 26

Está tudo tão longe... longe e perto. Eu explico. Está lá no fim da tarde, é quase noite, chove, e o céu despovoa-se de qualquer astro. Mas está aqui na dobra da manga da minha camisa branca. No luto o tempo é outro... mas a dor é como um livro que já foi lido, é preciso jogá-lo ao lado, sim, tomar outro. Não quero outra dor. Está  tudo tão longe, frio, tão perto e quente, mais que isso... está aqui. Nas fibras, vibrações, órgãos e linhas. Vou pelas palavras procurando um ancoradouro, mas nem quero ancorar. O que quero? Definitivamente tudo é hoje. Eu quero um amanhã mesclado de ontens. Ah, não é fácil aceitar esse hoje egoísta que se levanta e vai adiante em amanhãs abusando e debochando das minhas perdas. Percorro as palavras e elas me fazem forte, momentaneamente forte. Talvez seja bom ser permanentemente forte. Mas, meu Deus, nas vezes em que fui forte, fui forte de fraquezas, usando-as, ajeitando-as de tal modo que pareciam força, usando-as como tijolos numa parede precariamente erguida.
Tristezas, luto e uma certa paz - 25

Entre o passado e o futuro, às vezes, não é o presente que se constitui, mas outra coisa, devagar. Como se as rodas da vida ficassem travadas. Me acontece de cair nesses momentos e é como se eu tivesse a paz de uma compreensão, da vida, da morte, das belezas que vivi, das pessoas que vieram e se foram. Mas logo me dou por mim, e percebo que o sol vai se pondo... e a compreensão também.
Luto, tristezas e uma certa paz - 24

Amar todos os dias o que não mais se tem. Amar o que vai. Amar o que passa. Não há o que permanece, só o que passa. Sinto saudade. Luto. Afirmo a vida mesmo no luto. Uma janela aberta em dia de ventania, sem saber se seu destino é ficar aberta ou fechada. Bate, bate, uma janela de duas bandas, uma pequena janela que bate entre aberta e fechada, desencontradas bandas. Amar o destino, o próprio, acolher e despedir-se do que não fica, ficar em paz, não totalmente. O luto ora tira, ora traz. o luto passa lento. Novas perdas chegam rápidas. Amar o destino, amar o que passa. Saudade, jeito de dizer: enquanto passo você fica comigo, só enquanto passo, depois te deixo ir, indo junto.