Luto, tristezas e uma certa paz - 14

Sua casa, mãe, ao sol forte do início da tarde em vésperas de natal, fala em mansas e discretas mensagens que tudo agora é diferente. Ah! O luto nos força a nascer de novo, na dor, nascer. Nascer de novo para a mesma vida. Viver de novo para outros partos. Um pássaro canta no velho abacateiro, procuro-o e não encontro, atino meus ouvidos para o seu canto, e nada. Foi um pouso curto, digo, vai-se amasiado em alguma alça de vento pelo azul afora. Adeus! Volto um tempo depois ao mesmo ambiente da casa onde o abacateiro é a mais bela decoração. Aquele pássaro de canto pungente se foi mesmo, outros pequenos pássaros fazem sua algazarra nos retorcidos e afetuosos braços da árvore. Olho para o abacateiro e sei, ele também silencia.

Luto, tristezas e uma certa paz - 13

Uma tristeza sempre se soma com outras. Outras que encontram eco na maior, que se mancham das mesmas cores, que se perfilam no mesmo espaço do céu. Serão estrelas de brilho azul? Apesar de se somar com outras não é esta uma tristeza da qual se deve fugir. Fuja da tristeza! Não, este mandato não faz referência a esta. Esta quer dizer amor, quer dizer admiração, homenagem. Talvez eu precisasse de outra palavra, qual? Saudade?

Luto, tristezas e uma certa paz -12

De um modo ou de outro tenho que disfarçar o luto, a saudade. Acho que tenho disfarçado bem. Agora, enquanto escrevo, me pego sem disfarce. Tem um aperto bem aqui, você sabe. Se a escrita me introduz em mundos novos, também ela me lancina. Olho para o lado do teclado e vejo uma barrinha de chocolate amargo. Tomo-a e como. Lembro da versão bem humorada de uma expressão que costumo usar ao defender a preferência por sabores amargos: de doce basta a vida. Ah, de doce basta a vida... Ao mesmo tempo, nesses fluxos infindáveis de uma noite que sobre mim se estendeu sem aviso, me vem à mente o início de uma oração do famoso Cardeal inglês, Newman, que há muito não rezo: Conduze-me doce luz, através das trevas que me cercam, conduze-me cada vez mais longe...

Luto, tristezas e uma certa paz - 11

A saudade e a tristeza se misturam. Não consigo sentir saudade sem um quê de tristeza. Acolho a tristeza; sei que ela tem um tempo. Não vou me enganar com forjadas alegrias. Estar triste não significa necessariamente ser infeliz. De tristezas também me faço vivo. A saudade me dá outros pontos de vista, ela me faz ver.

Luto, tristezas e uma certa paz - 10

Fui seu filho no mundo, sou seu filho na saudade, serei seu filho depois, no dia futuro, lá onde a vida em seu poder de mistério se arranjará de outra maneira. Mas se assim não for, se a imensidão fria do universo definir que tudo começa e tudo termina aqui, ainda assim serei seu filho. Em fabulações construirei no futuro um jardim de encontros e bem lá continuarei a ser seu filho.

Luto, tristezas e uma certa paz - 9

O mundo vai girando, girando, a vida vai seguindo, a rotina e as atividades vão me chamando e me tomando, tudo parece tão igual, fico meio que anestesiado, adormecido. E então, de repente, num instante, acordo: a vida já não é a mesma. Meu Deus, aquela pessoa, a mais importante, já não está mais conosco, ela morreu. É um baque.

Luto, tristezas e uma certa paz - 8

O que me envolve em banho morno e aconchegante de ternura é lembrar as tantas lutas em que nos colocamos juntos, lado a lado, no enfrentamento do que precisava ser enfrentado; é pensar nos caminhos de poesia que trilhamos sem nos darmos conta que era caminho de poesia; é procurar sentir novamente os regatos que corriam em nossas vidas nos quais encharcávamos nossas almas de alegria e simplicidade.

Luto, tristezas e uma certa paz - 7

Sobre todas as coisas pesa um certo cansaço. Mas ao mesmo tempo cai sobre mim e sobre meus dias, como véu de leveza, uma gratificante sensação de vôo, de desapego.