Luto, tristezas e uma certa paz

Reconhecer sua presença sutil agora é uma lição em que me treino. E me treino não sei como, mas me treino. Às vezes o treino consiste em olhar detalhes, pequenos eventos, recantos da casa. Quem sabe se delineará ali uma poesia sinalizadora de sua presença certa. Vagueio com olhos cansados, olhos de até um dia, e escolho, vejo, penso, invento, sinto um lugar de onde ela me diz com suavidade: eu estou aqui meu filho, estou aqui.

Luto, tristezas e uma certa paz - 5

Numa oportunidade ou noutra acabo me referindo a ela com carinho. E tenho sido comedido. Aqui me alongo. Ao expressar a saudade não quero fazer mera exposição do luto, quero apenas homenageá-la, dizer da sua importância. Sem drama, sem alarde, em paz. Mas ainda assim algumas pessoas me fizeram chegar aos ouvidos a seguinte observação: “Ele devia estar mais preparado para isso”. Sorrio e continuo em paz e penso, eles não sabem o que dizem, pois que estão dizendo: ele devia ser árvore que não floresce; ele devia ser janela que não se abre; devia ser fogo que não aqueçe; devia ser fruto que não ganha doçura, devia ser noite que não amanheçe. Deus!
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Chove, e a chuva canta a mesma melodia sobre a mesma casa; as palavras, todavia, são outras. A chuva canta comigo um lamento sem choro, uma prece que nada pede.
Luto, tristezas e uma certa paz - 3

Os anos em que ela esteve adoecida foram longos, quase seis anos respirando por aparelhos, sem movimentos. O apertar as pálpebras, o movimentar os lábios era a sua forma de conversar comigo, responder-me. Ela sempre me respondia. Cuidamos dela. Cuidamos.  E desenvolvemos com ela vínculos de finíssima porcelana e delicados fios de ouro. O luto não é apenas a dor da perda, também é outra coisa. É um campo florido de pensamentos e sentimentos que não posso fazer de conta que não existe, está dado para o meu trabalho, e exige um silêncio para o seu cultivo.
Luto, tristezas e uma certa paz - 2

Uma das minhas irmãs diz que avista nossa mãe nos seus próprios gestos e feições quando se olha no espelho. Achei isso tão bonito e fiquei pensando, eu não, eu não a vejo. Tenho a sua presença e a sua ausência a cada momento em cotas suaves de tenuras e dores ásperas de  novas perdas.   Ah, no mundo das mudanças, no mundo dos provisórios, no mundo dos fluxos, no mundo das fases, das passagens é tão complicado lidar com este definitivo, a morte.

Luto, tristezas e uma certa paz - 1

Eu tinha medo da tarde, vinha um frio... Ela morreu ao fim da tarde. Mãe. É tarde! Por mais que eu invente sóis, é tarde. Tarde não por algo que não foi feito, mas é tarde, porque é tarde. Se já não dá mais pra nascer, também já não tenho medo das tardes. Elas doem, não me assustam mais, só se calam em suas belas e calmas cores.